samedi 6 septembre 2014

enfermagem no Québec (post em português) - capitulo 2

Ja leu o capitulo 1 da saga? Se nao leu, comece por aqui ... capitulo 1

Pois bem, onde paramos? Minha vida de estagiaria havia terminado e estava na hora de começar a procurar emprego como CEPI (Candidate à l'exercice de la profession infirmière = Ce-quoi?? CEPI!!!). Ser CEPI significa ter algumas limitaçoes no âmbito profissional, como nao poder assumir uma prescriçao médica dada via telefone nem decidir pela instalaçao de medidas de contençao. Maiores infos sobre CEPI, no site da OIIQ, no link acima ;-)

Por razoes puramente logisticas, eu me concentrei apenas nos hospitais proximos de casa, tinha como objetivo trabalhar a pé durante o verao e de bus durante o inverno. Minhas opçoes entao eram os hospitais Saint-Luc (onde fiz estagio), o Notre Dame, o Instituto Thoracique, o Royal Victoria ou o Instituto de Neurologia. Optei por um hospital anglofono pois queria manter o inglês em dia, entao apliquei apenas para o CUSM (que gera o Vic, o Neuro e o Thoracique). A principio, a oferta do Thoracique me atraia, era para trabalhar na area de pneumo com pacientes tuberculosos e MPOC.

Fui super bem na entrevista e estava **quase** acertando pro Thoracique, mas conversando com a analista de RH, decidi que era hora de radicalizar e mudar. Aceitei o desafio de trabalhar no bloco operatorio! So havia feito isso no estagio da faculdade, mas é um departamento que sempre me fascinou (e adorei minha época de estagio no CC do HC!).

Pequena pausa para explicar um pouco sobre o sistema educacional: aqui em Québec, enfermeiros NAO FAZEM ESTAGIO NO BLOCO! Alias, na grade dos cursos o bloco nem existe! (aos interessados, basta uma rapida pesquisa Google nas grades de Cégeps e Universidades para comprovar). Isso dito, quem fornece o treinamento de bloco operatorio sao os proprios hospitais, e quando eu era CEPI, o treinamento levava um ano. Outros setores que passam pela mesma rotina sao as areas de hemodialise, quimioterapia, radioterapia, UTI neo ... enfim, todas areas super especializadas :-)

Pois bem. Tivemos três semanas de curso teorico, incluindo o basicao de técnica de lavagem de maos, paramentaçao cirurgica, montagem de mesa padrao, posicionamento em sala cirurgica, funçoes de instrumentador e circulante, até identificaçao de cada fio e de técnicas cirurgicas mais comuns.

Segunda pausa do dia, aqui em QC nao existe a profissao de instrumentador cirurgico. Sao enfermeiros (ou enfermeiros auxiliares) que o fazem. Circulantes sao sempre enfermeiros, enfermeiros auxiliares nao podem assumir essa funçao (em duvida sobre o esquema de profissoes em enfermagem ? basicamente = PAB, préposé aux bénéficiaires, espécie de atentende que se ocupa de cuidados de base e em alguns setores, conforme a aplicaçao da lei 90, podem cumprir outros papéis como administrar medicamentos = mas isso rende outro post!; IA, ou enfermeiros auxiliares, curso profissionalizante - DEP, sao coordenados por outra ordem profissional, a OIIAQ; Infirmière technicienne, formaçao Cégep, o que seria + ou - um tecnologo - e sao a maioria no mercado de trabalho e, finalmente, infirmières cliniciennes, que possuem bacharelado. Talvez faça um outro post sobre as diferentes formas de acesso aos diferentes niveis de ensino, ja que existe uma enorme variedade de combinaçoes. Apos o nivel clinicienne sao as formaçoes em mestrado e doutorado, incluindo a de IPS, infirmière praticienne spécialisée, que curso atualmente).

De volta à programaçao normal, passadas as semanas de teoria, hora de entrar na açao! Eramos 3 CEPI no bloco, e cada um foi designado com uma preceptora. Eu, por uma daquelas ironias do destino, peguei a diaba, AKA *evil*. E *evil* era responsavel por 3 salas: cirurgia geral, pequena cirurgia e transplante. E eu passaria meu treinamento com essa preceptora pelos proximos 5 meses! Minha escala de treinamento era justamente cirurgia geral, pequena cirurgia e transplante.

Ja antecipo que eu nao me adaptei ao bloco, e a razao numero 1 (60%) foi a preceptora. Mas nao da para colocar so a culpa nela, a razao numero 2 (40%) foi adaptaçao mesmo, eu gosto de falar com os pacientes e para isso, bem,  convenhamos, o bloco nao é o melhor local rs ...

Mas, enfim, como era minha rotina?


source http://www.larousse.fr/encyclopedie/data/images/1313414-bloc_op%c3%a9ratoire.jpg


Como CEPI eu so podia atuar na sala em presença de uma enfermeira, nao poderia estar apenas com uma enfermeira auxiliar. Basicamente era essa a restriçao.

No bloco sao os enfermeiros exercem as funçoes de circulante e de instrumentador, alternadamente. Mas, querendo avançar na area, aos que possuem bacharelado existe a possibilidade de se tornarem *enfermeiros primeiro assistente em cirurgia*, o que é bem legal. Um dos CEPI almejava esse caminho (informaçoes um pouco velhas, mas ainda assim valendo para referência = 1er assistant chirurgie ).

Como circulante, eu era responsavel por preparar a sala de acordo com a cirurgia (incluindo equipamentos especiais, suportes, etc.). Uma vez a sala liberada, era hora de receber o paciente, fazer a verificaçao de seu dossiê e preencher as fichas de pré-operatorio. Nesses momentos eu tinha uns 5 à 10 minutos com os pacientes, era o momento de tentar tranquilizar aquela pessoa que passaria por um procedimento invasivo, era a parte que eu mais gostava. A verificaçao de alguns dados (como conferir nome do paciente, tipo sanguineo e o tipo de cirurgia!) era feita em equipe = enfermeiro, anestesista (ou inaloterapeuta) e cirurgiao (ou, mais comum, o residente). O circulante ajuda o PAB a posicionar o paciente na maca cirurgica, acompanha a intubaçao (feita pelo anestesista e inalo), instala a sonda vesical e faz a preparaçao da pele para a cirurgia (as vezes essas etapas eram feitas pelos estudantes de medicina = uma sala cirurgica pode virar um verdadeiro teatro com um minimo de 8 pessoas = cirurgiao, 1er assistente, residente, anestesista, inalo, instrumentador, circulante, PAB e por ai vai ...). O circulante deve ficar de olho e prover o instrumentador de produtos, ajudar o inalo no que for necessario e se preparar para eventuais urgências. A contagem de equipamentos e materiais é uma das etapas cruciais da cirurgia e o circulante é o co-responsavel. O circulante é o advogado do paciente durante a cirurgia, e deve evitar qualquer mal (como eletrodos que queimam, posiçao incorreta do braço, etc.). O circulante encaminha o material para anatomia patologica e ajuda os técnicos de RX durante procedimentos dentro da sala. Ao término da cirurgia, o circulante encaminha o paciente para a sala de reanimaçao ou UTI. Eu ajudava os PAB a limpar a sala depois das cirurgias também, mas nao era obrigatorio.

Como instrumentadora, era a parte da açao. Eu comecei na cirurgia geral e logo no meu terceiro dia me colocaram numa mega cirurgia de ressecçao hepatica. E para piorar, o paciente teve uma parada cardio-respiratoria! Eu estava meio zureta e nem me liguei da gravidade do caso até ser substituida por uma enfermeira mais agil. Nem preciso dizer que eu era mais lenta do que eles queriam e que *evil* ficava no meu pé. Depois dessa experiência de *choque* eles me colocavam como instrumentadora em cirurgias complexas, mas relativamente estaveis, foi onde fui adquirindo confiança e agilidade. O que eu gostava mesmo eram as cirurgias de video (especialmente as de obesidade, tinha um carinho especial pela equipe!) e as cirurgias de mama (um dos médicos era um fofo, um senhor de uns 100 anos rsrsrsrs). A sala de pequena cirurgia também era interessante e a de transplantes, sensacional. Montar as mesas é uma questao de rotina e pratica, vem com o tempo. Organizar o porta-fios também, e antecipar os gestos do cirurgiao, quase uma arte. Ao término da minha experiência eu estava bem rapida no clec-clec das suturas mecânicas, a ponto do cirurgiao brincar dizendo que eu parecia xerife de bang-bang. Mas nunca era bom o suficiente para *evil*!
Instrumentador deve ter uma boa dose de sangue frio e saber lidar com médicos e outros profissionais estressantes. Preparar a cola cirurgica super cara ou itens de ressecçao, manter a esterilidade do campo, saber se posicionar, antecipar os gestos ... é quase um ballet e exige muita concentraçao. Eu saia das cirurgias com dor nos ombros e no pescoço, de puro estresse.

O que é curioso por aqui é que no bloco operatorio, as pausas de repouso sao respeitadas ao pé da letra (Coisas sindicais? Provavelmente). Explico: ao começar o plantao, a ASI dividia as equipes e os horarios de pausa. Entao digamos que minha pausa seria às 9h40. Mesmo se a cirurgia tivesse começado às 9h, quando o relogio mostrasse 9h40 eu poderia ter a certeza de que minha substituta estaria ao lado da mesa de operaçoes para pegar o *plantao*! A cirurgia entrava entao num modo stand-by e faziamos a contagem de compressas e agulhas com o circulante. O cirurgiao nao podia pedir nenhum fio ou compressa nesse meio tempo, era algo impressionante. Com o tempo consegui agilizar essa *passagem de plantao intra operatoria*. Uma vez tudo contado e conferido, eu saia, ia para a pausa de 15min e voltava. Coisa de doido! Tinha duas pausas  de 15min durante o dia e uma de 30min para o almoço. Nao sei se ainda é assim, mas eu achava muito surreal.


Como o treinamento levava 1 ano (pois onde fui CEPI ofereciam como especialidades cirurgicas a cirurgia geral, a pequena cirurgia , os transplantes hepatobiliares, a cirurgia plastica, a ginecologica, a vascular, a oftalmo, a otorrino, a uro e a cardiaca) o meu horario era apenas de segunda à sexta, das 7 às 15. Apos o treinamento, o enfermeiro de bloco entra em esquema de rotaçao jour-soir-nuit e faz fins de semanas também. É preciso ter passsado por pelo menos 75% do treinamento para poder entrar na rotaçao. Hoje sei que o treinamento *encurtou*, acho que sao 9 (ou 10?) meses. O bloco oferece participaçao em congressos e 1x por semana tinhamos uma aula sobre um novo produto ou uma nova técnica. Estar sempre em dia com as novidades do mercado e das praticas mundiais é obrigatorio para quem quer atuar no bloco, e felizmente por aqui essa atualizaçao é paga pelo empregador. Quando eu estava no bloco, 4 enfermeiros foram para o Congresso de Bloco Operatorio em Chigago, com tudo pago. E na volta eles repassaram os conhecimentos, em 4 encontros (cada enfermeiro assumiu um tema discutido no congresso).

Por quê nao continuei la? A razao de *evil* ser um pedregulho no sapato pesou e muito. O fato de nao ter tanto contato com os pacientes também, e somado a tudo isso, uma situaçao familiar no Brasil (tanto que larguei o bloco e voltei ao Brasil por 4,5 meses!). A experiência no bloco foi boa para me provar que eu nao nasci para setor fechado rsrsrsrs. para quem gosta da **fina ponta da tecnologia**, e gosta de estar no centro da açao, o bloco é um local com excelentes perspectivas e otimas condiçoes de trabalho.

No proximo capitulo, depois de ter sido aprovada (de primeira!) no exame da ordem, a vida como enfermeira em clinica médica num hospital minusculo em région!






4 commentaires:

  1. Tô adorando seus posts!!!!
    Abraços
    Shirlei

    RépondreSupprimer
    Réponses
    1. acabei de colocar o capitulo 3, ja fiz todos, entao vou postar 1 por dia ;-) (sao 6 ao todo)

      Supprimer
  2. Já trabalhei como instrumentadora cirúrgica, mas aí está algo que, se eu puder, não faço nunca mais. Não sei como é em Québec, mas lidar com cirurgiões (quero dizer vaidade) é tarefa de difícil aceitação e depois fui aprendendo o quanto é ampla a área da saúde, há coisas mais prazerosas para se fazer. Obrigada por mais este post! :) Jaq

    RépondreSupprimer
    Réponses
    1. meu problema nem eram os cirurgioes, era a enfermeira-chefe que era o cao mesmo ... ela foi responsavel em grande parte pelo meu *desapego* com o bloco rs

      Supprimer